Em A legibilidade do mundo, publicado originalmente em 1981, Hans Blumenberg percorre, a seu modo, isto é, perseguindo temática e analiticamente o movimento cinético das imagens metafóricas, a história da relação metafórica mundo-livro. Essa trajetória histórica, segundo o autor, afirma, por meio de diferentes premissas epistemológicas, a ideia de que o mundo é, por princípio, alguma coisa decifrável pela consciência. Em outras palavras, se o mundo é como um livro, a totalidade das experiênciaspossíveis nesse mundo se torna acessível à consciência. Todavia, o acesso ou o meio para que a consciência organize essa totalidade é justamente a operação que permite a construção da ideia de mundo como livro: a metáfora. A concepção do mundo como livro estabelece uma relação homóloga entre o mundo e a consciência, permitindo que a infinidade de experiências possíveis apareça como uma dimensão apreensível. A representação metafórica mobiliza a um só tempo uma visão da forma do mundo (como um livro) e uma concepção de leitura. Blumenberg estuda os sentidos e usos dessa metaforização, nos fazendo compreender que, em primeiro lugar, ela supõe uma "ideia cultural do livro" e, em segundo lugar, que ela requer a condição de existir um autor. É aqui que as coisas se tornam interessantes porque, voltando ao tema da teodiceia-problema teológico-filosófico caro ao filósofo alemão -, o mundo-livro se configura como uma tensão entre a natureza e a Revelação. Essa tensão é reconfigurada na modernidade, quando o livro deixa de ser o Livro de um Autor e passa a ser um dispositivo incessantemente redigido. A trajetória percorrida por Blumenberg marca um traço fundamental para o entendimento do conceito de "metáfora absoluta": a imagem do livro,em seu movimento, irrealiza o mundo na medida em que o abre ao inapreensível.