Os ensaios que compõem este volume estão entre os mais polêmicos, vertiginosos e necessários da obra do cubano Antonio José Ponte. Embora reconhecido como poeta e narrador, é no ensaísmo que atinge um grau de maestria ao aliar a fluidez dos melhoresficcionistas com o olhar atento e desconfiado de um grande historiador. Ponte instaura procedimentos retóricos meticulosos que amplificam as possibilidades interpretativas dos seus textos: consegue ao mesmo tempo aproximar e distanciar os campos literário e histórico, e traçar um caminho inusual e iniludível, sobre questões espinhosas que atravessam não apenas as perspectivas cubanas, mas os seus discursos e aparelhamentos estéticos e ideológicos. O agora no ontem, no porvir: seus atravessamentos não são apenas sobre o passado, pois tudo se repete, como tragédia/farsa (Marx) ou paródia (Piglia).Aqui o mártir e patrono das letras cubanas José Martí é polido, lustrado, mas igualmente mordido sem dó nem piedade a partir da imagem de seu casaco esquecido em uma manhã invernal. E a escassez alimentícia dos anos 1990 se encontra com a representação literária das comidas, inclusive com a morte e o desejo, o abacaxi e a carne falsa. E no entrelaçamento da criação e vida de dois ícones, José Lezama Lima e Eliseo Diego, estão os livros perdidos que abraçam o vazio. Entre as catástrofes privadas e coletivas, se prontificam as difíceis relações entre arte e nacionalismo, mas sobretudo o olhar de alguém que em algum momento esteve em uma mesa, em Havana, para escrever e comer.