A solidão da pandemia, as opressões do dia a dia e as memórias que nos rondam são os fios condutores de Caquinhos vermelhos, livro de contos do sociólogo, escritor e professor Mário Medeiros. Nessa obra, escrita no período duro e recente de quarentena, um realismo brutal se mescla a elementos do fantástico, do cotidiano e até do cômico, convidando o leitor a uma viagem que vai desde as agruras da adolescência nos anos 1990, vividas nos corredores de uma escola de bairro periférico em São Paulo, até a possibilidade de ascensão social que chega por um spam vindo direto de Burkina Faso.O livro explora um mundo de personagens atormentados, que navegam entre as profundezas das relações familiares, o silêncio surgido na solidão da pandemia e as opressões históricas que ecoam no presente. As narrativas de Medeiros desafiam as fronteiras entre o que é familiar e o que é estranho, e nos levam a refletir sobre as complexidades da vida urbana e da herança colonial que se manifestam em gestos sutis, como em pisos de "caquinhos vermelhos" que, belos e brilhantes, são mantidos assim por mãos negras, "sempre negras, uma geração após a outra", como descreve José Henrique Bortoluci no texto de orelha.Em uma experiência reflexiva e sonora, Medeiros conecta escalas espaciais e temporais de forma surpreendente, por meio da vibração musical que ecoa por sua escrita. A microescala de e-mails lotando a caixa de spam ou dos "quartinhos de empregada" se entrelaça com a grande escala das periferias da capital paulista e, principalmente, com a megaescala do Atlântico Negro. Nessa jornada, um percurso de ônibus em direção à periferia se conecta aos bares de jazz nos Estados Unidos e às ruas de bairros africanos em Paris, criando uma cadência única e um horizonte político e estético que conferem um ritmo sincopado ao livro.