Há décadas, os historiadores discutem os efeitos para ospovos africanos da proibição do tráfico de pessoasescravizadas em meados do século XIX. Nos entornos dacolônia portuguesa de Angola, principal origem das pessoascapturadas e levadas para as Américas, o crescimento deuma economia agrícola colonial se deu simultaneamente àexpansão de um comércio de longa distância, que traziamarfim e cera de abelha por caravanas vindas de regiões acentenas ou mesmo milhares de quilômetros do mar, deterritórios que os europeus não detinham nenhum controle.Este livro procura discutir a formação desse comércio porpessoas de carne e osso, que negociavam mercadorias, mastambém poder político, condições de trabalho e visões demundo, em tramas complexas, violentas e ainda muitopouco conhecidas. Analisando os diários de um dos líderesda comunidade mercantil que se instalou no reino africanodo Bié, o português Silva Porto, tais questões são abordadasa partir de fragmentos do dia a dia desses sujeitos, durante30 anos que foram decisivos para a reconversão econômicada colônia portuguesa.Aatenção ao par conceitual local-global é um dosdebates centrais da modernahistoriografia africana. E écerto que pesquisas notáveissobre as dinâmicas locais têmredimensionado o estudo dasrelações da África com outrasregiões do mundo,demonstrando que as históriasdedicadas aos contextos e àsescalas reduzidas podem ser osuporte do equilíbrio entre aabstração e o detalhe. Estelivro, que aborda as dinâmicasdo comércio sertanejo nointerior de Angola, é tributáriodestes debates. E precisamenteda atenção aos detalhes advémsuas contribuições para oestudo do tema. Do escrutínioinédito - literalmente dia a dia- dos relatos do comercianteAntónio Francisco Ferreira daSilva Porto, escritos entre asdécadas de 1840 e 1860,emergem as relações cotidianasnas caravanas comerciais.E nestas, os sertanejos - maisafricanizados na composição enos costumes do que fezacreditar certa historiografiacolonial - os trabalhadores e asautoridades centro-africanassurgem como agentes dosprocessos de formação,consolidação e transformaçãodo chamado comércio lícito naÁfrica Central.- Profa. Dra. Lucilene Reginaldo(UNICAMP)SUMÁRIO13 NOTA SOBRE A VERSÃO PUBLICADA17 NOTA PRELIMINAR: GRAFIA DAS PALAVRAS DE LÍNGUAS AFRICANAS19 INTRODUÇÃOCapítulo 145 O BIÉ, OS SERTANEJOS E O MUNDO ATLÂNTICO46 1.1. O Bié e o Planalto Central de Angola59 1.2. "Eis ali o vosso filho"80 1.3. Um