Em 1964 o jornalista Ary Vasconcelos comentou um tanto contrariado que àquela época a historiografia da música popular estava "praticamente na estaca zero" e que para erguê-la era preciso "criar um mundo do nada". A avaliação amarga do crítico carioca não era pessoal. O descontentamento circulava por um grupo variado de cronistas, estudiosos e colecionadores - sobretudo de discos. Apesar da presença significativa da música popular na construção da moderna sociedade brasileira, o fenômeno cultural tinha ainda imensa dificuldade em preservar sua memória e estabelecer uma história. A despeito desses obstáculos, personagens como Vagalume, Orestes Barbosa, Almirante, Jota Efegê, Mariza Lira, Lúcio Rangel, Edigar de Alencar e Ary Vasconcelos colocaram em ação, de maneira muito intuitiva, um complexo circuito intelectual com forte tonalidade memorialista e historiográfica. Ao ultrapassarem os limites das reminiscências e da crônica, acabaram inventando uma narrativa e uma sólida interpretaçãopara o passado da música popular, que continua reverberando até os dias de hoje. Esse livro Criar o mundo do nada. A invenção de uma historiografia da música popular no Brasil apresenta aspectos desse intrigante processo criativo. Nele o leitor poderá conhecer um pouco desse passado e - porque não - escutá-lo!