É então que se realça um recurso cabível e definitivo, fórmula sintética: Dimerval Mula Manca morreu. O quando não se sabe, mas logicamente morreu. Resumo infalível, tudo o mais é questionável. Morreu é como se resumem um, dezoito, cinquenta ou mil e quinhentos anos de vida."Assim se inicia este livro inovador e que nos envolve, doce e delicadamente, no tecido de sua linguagem e de sua história. Logo de cara somos informados de que o protagonista (afinal, é seu nome que está no título, como a capa já nos diz) está morto. Isso, contudo, em nada atrapalha a ligação que vamos construindo com o livro: quem é este homem e do que ele morreu? E quem é Jucélio Pé de Boi, que nos aparece assim que adentramos o primeiro capítulo - e não, diretamente, Dimerval Mula Manca, como (logicamente) esperaríamos? E por que esses personagens com apelidos associados a animais? Em que mundo estamos, em que região?Itamar Camilo, nesta sua estreia no gênero romance, nos leva a um universo tão concreto quanto onírico, povoado por personagens vívidos como dona Margarida, a mãe do protagonista, ou seu irmão caçula, Geninho, ou ainda Dalinha, a irmã, que fazia todos os serviços da casa, tendo assumido o lugar que era de sua mãe, mas que irá contestá-lo. Fora o próprio Mula Manca e o Pé de Boi, claro. O universo, aqui, apenas parece estático. Quando o narrador nos aproxima dele, vemos como é móvel, móbil, movente, e como aquilo que parece eterno e estabelecido também pode se modificar. Estamos diante de um romance múltiplo, poderoso, que pede para ser lido e relido, para que suas diversas camadas se revelem, mais e mais, no bordado do tempo de que fala Paula Autran no Prefácio.