Qual futuro? No romance de Eduardo Ferraz Felippe, o futuro é apenas um retrato na parede, e como dói. Cartas e poemas, imagens, diálogos incessantes, certa sensação de asfixia: o presente é simultaneamente amorfo e ativo; amorfo porque emparedado, ativo porque movido pela leitura e pela escrita. Entre Rio, São Paulo e Berlim, os protagonistas - Edu, Emanuel, Mariana, Thiago, além do Dalai Lama e dos revividos Kafka, Guimarães Rosa, Tarkovsky, Bergman, Lispector e Benjamin - trocam impressões de uma realidade excessivamente humana, mesmo que suas próprias imagens, versões inexatas de si, se desfaçam na realidade intangível, em meio à dificuldade de enxergar(-se), de interpretar o mundo - mundo que cada vez mais se fecha, desiste de se oferecer aos olhos e à (ir)razão que nos preside. Os meses arrastam-se numa pandemia improvável, num governo inaceitável. Os livros consolam e sugerem analogias ficcionais para a vida que (não) é vivida, os narradores seguem perplexos. Qual passado? Nos retratos, as fotos desgastam-se mais e mais, os afetos distantes ressurgem, mas não se completam. Os sonhos desfazem-se logo cedo, mas continuam impressos na memória. O exílio ocorre dentro e fora de cada personagem, de cada voz, de cada corpo enclausurado. As ausências não se redimem, e parcialmente, são transmutadas em palavras. Nenhum pertencimento: apenas desamparo. Qual presente? Há horror e há poesia no parco cotidiano, entre paredes e fantasmas, entre línguas e citações esparsas que ajudam a prosseguir. Cada dia ressoa eterno e carece de continuação, pois o amanhã não coincide com o futuro. Borges - outro destinatário das cartas de Edu - escreveu: "O hoje fugaz é tênue e é eterno; não haverá outro Céu nem outro Inferno". Ficamos em suspensão. -
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