Um admirável trato com as palavras marca o livro de contos do premiado jornalista Mauri König - e não só no que diz respeito ao cuidado com a construção de frases ("O ódio interage com outras paixões, é fiel depositário do medo nascido nos interstícios das nossas inseguranças"; "Por que diabos precisamos sofrer, se a vida é melhor sem dor?"), mas também com relação às vívidas imagens criadas. São marcas claras de um repórter experiente, plenamente capaz de descrever o espaço urbano e as mais intrincadas relações sociais. As qualidades mencionadas ganham ainda mais força devido às referências a grandes pensadores - Schopenhauer, Sófocles e Viktor Frankl estão nas páginas.Não há pressa na construção das narrativas, fazendo com que o universo ficcional se instale na mente de quem lê. É possível imergir na leitura, portanto, e ter um descanso da realidade - não que, por meio da sutileza típica da boa literatura, o conjunto de König não tenha apreço pelas "pequenas vinganças cotidianas" etrate, a exemplo do que acontece no conto de abertura ("A paixão de Xandinho"), da vida como ela é. Vale mencionar que a manobra metaficcional, presente no conto que dá nome à obra, cai muito bem. Ainda mais em tempos que as produções artísticas tendem - uma vez mais, ultrapassado o furor inicial da chamada quebra da quarta parede - a refletir a respeito da própria natureza da arte. O efeito estético deste Ensaio sobre quem somos parece apontar para o fim da ingenuidade.