É singular a capacidade desta jovem mulher de acessar o fundo da existência de quem a lê, e ali permanecer. Quase todos, ao escreverem, ao falarem sobre ela, chamam-na simplesmente de Etty, como se fosse uma querida amiga a quem a gente se dirige com afetuosa familiaridade. Isto porque, ao escrever seu diário - instrumento de investigação interior que a ajudou a passar de cabeça erguida pelo terror da perseguição nazista -, ela se abre com uma sinceridade e uma crueza que nos desarmam. O mundo está abalado pela II Guerra Mundial, mas a batalha que ela trava é, na realidade, consigo mesma. Para Etty Hillesum, escrever é um meio para adquirir clareza sobre os próprios estados de ânimo. Compreendendo-se, ela pode tentar compreender os outros, e assim desenvolver plenamente o talento criativo para recontar o mundo, o seu tempo, esses mesmos outros. É a coragem de escrever, daquele dizer que dá forma e através do qual a pessoa exprime a si mesma e chega a tocar com a ponta dos dedos os contornos da História. Não era mística, nem santa. Compreendeu apenas que era necessário gritar mais uma vez que a vida está cheia de sentido. Através daquilo que escreve, portanto através de si mesma, Etty procurou sempre chegar ao outro, e por isso não há leitor que, ao se aproximar dela, não acabe de algum modo transformado pela força de sua palavra, de sua vida.