Já se passaram quase vinte anos desde a terceira edição de Festa no Pedaço agora sai a quarta, também pela Hucitec, na coleção Antropologia Hoje. O objeto da pesquisa - circo-teatro na periferia de São Paulo - pode parecer datado, algo nostálgico ou pouco relevante nos dias de hoje; porém, conforme já mostrava a apresentação de 1998, mantém sua atualidade: o livro, com base em pesquisa empírica de orientação etnográfica, não se limitou à descrição e análise dos dramas, comédias e gags desta forma de dramaturgia popular, mas abriu novas pistas para a Antropologia Urbana. Se naquela apresentação a ênfase era sobre a novidade do te até então pouco valorizado - principalmente no contexto dos bairros da periferia - agora é a recorrência do conjunto de categorias, inauguradas pela de pedaço, que merece atenção, surgida de forma inesperada durante a pesquisa. Os antropólogos, quando vão a campo devidamente munidos de conceitos, hipóteses, métodos - certamente indispensáveis - não poucas vezes são acometidos de um certo receio (às vezes, esperança...) de que o contato com os interlocutores abra algum rumo inesperado, não previsto em seu projeto. Pois foi o que então aconteceu: diante da pergunta feita a um grupo de interlocutores, se os conteúdos das representações teatrais eram "progressistas" ou "conservadores" - uma das preocupações em voga na época - a resposta, não exatamente nesses termos, foi: "Pouco importa se são isso ou aquilo, o que vale é que é um bom momento pra turma do nosso pedaço se encontrar e se divertir..." Aí está, um detalhe entre tantos outros, um termo de uso comum, mas que pegou e, devidamente trabalhado, abriu uma série de pistas permitindo elaborar novas categorias: manchas, trajetos, pórticos, circuitos, não mais restritas para explicar a sociabilidade no contexto da vizinhança de um bairro de periferia, mas para entender a dinâmica da cidade, em uma escala mais ampla.José Guilherme Cantor Magnani