Uma das mais proeminentes escritoras chinesas contemporâneas, Can Xue é com frequência comparada a Kafka, pois, assim como ele, construiu uma obra fundada em premissas próprias, capazes de levar sua literatura a lugares aonde nenhum outro escritor chegou. Finalista do International Booker Prize, Histórias de amor no novo milênio é seu romance mais celebrado e conta a história onírica e bem-humorada de uma miríade de mulheres insaciáveis que estão em busca de prazer e do direito à felicidade numa cidade industrial precária. Entre elas está Niu Cuilan, uma mulher independente, viúva e almoxarife. Um de seus hobbies é ir a uma estância termal que oferece "serviços especiais". Lá conheceu seu amante, Wei Bo, que é casado e empregado de uma fábrica de sabão, mas também exerce certas atividades ilegais. Xiao Yuan, esposa de Wei Bo, é uma professora fissurada em relógios, e acaba se apaixonando por dr. Liu, que exerce medicina tradicional chinesa. Long Sixiang, por sua vez, é amiga de Cuilan, prostituta na estância e amante de vários homens, entre eles o sr. You, um excêntrico antiquário da cidade. Em uma noite, surge no caminho dele um pachinko que ora desaparece, ora ressurge, inexplicavelmente. Nele, a srta. Si vai em busca de seu namorado, mas se depara com um acidente fatal.Pela rede caleidoscópica dessas e de outras personagens cheias de energia e arrebatadas por sexo e ambições, conhecemos não só as histórias de amor prenunciadas no título, mas as de família e de amizade. Num mundo de fraudes e exploração em que a sabedoria milenar se entrelaça com a modernidade, tudo se transfigura, e as mulheres flutuam como nenúfares, enfrentando o engano, a vigilância e a paranoia com sensibilidade.O significado de todas as mudanças repentinas permanece em suspenso, mas a força plenamente surrealista e simbólica das imagens preenche as lacunas do entendimento, conforme elementos da experiência humana pouco acessados pela linguagem emergem à consciência. Afinal, Can Xue é capaz de promover na leitura a sensação de deslocamento e espanto que as personagens parecem experimentar. E, como se fosse uma chave para este repositório de fantasias, Long Sixiang afirma: "Não entender, na verdade, é entender tudo!".