A você, meu jovem dono, ofereço minhas Memórias, não apenas em sinal de gratidão, mas também para que tenha uma prova de quantas injustiças se cometem contra os burros. Espero que, depois de ler-me, nunca mais diga: "teimoso como um burro", "estúpidoe ignorante como um burro" e sim: "sábio e dócil como um burro". Tenho a certeza de que, se o chamarem de burro, ficará até orgulhoso, pois pretendo provar e exaltar as excelentes qualidades desta espécie de animal a que pertenço. Vou apresentar-me,tal qual fui, com meus defeitos e qualidades. Seria bom que os homens que escrevem suas Memórias fossem tão sinceros e verdadeiros quanto eu. Vou começar. Não me lembro de minha infância. Devo ter sido um burrico bonitinho como todos, porém mais inteligente que a maioria. Disto estou certo, pois preguei muitas peças em meus donos. Até hoje me divirto ao recordá-las. Não sei se sabe - nós os burros, todos sabemos - que, às terças-feiras há uma grande feira na cidade de Laigle. Vendem-se ali legumes, frutas e lacticínios de toda a espécie. Os homens apreciam muito aquele dia, mas os burros, não. Antes de ter sido comprado pela senhora sua avó, pertenci a vários donos. Um dos primeiros dos quais me lembro foi um lavrador muitobruto, casado com uma senhora má e rabugenta.