A prosa afiada de Jorge da Silva Raymundo é avessa às convenções estabelecidas pelo modus operandi humano, como um rugido tenebroso tanto para o não quanto para o sim - e não, nada disso de achar que este O bárbaro bebê conversa com o "talvez". Desde o conteúdo, que regurgita doídas reflexões na cara do bem-aventurado leitor, até a forma enxuta e fragmentária das pílulas corrosivas dispostas ao longo do conjunto, há um fascínio por tensionar os limites da narrativa.Se é verdade que "o pensamento começou como uma tentativa de pôr ordem ao mundo", conforme axioma presente em "A Babel dos conceitos", afirma-se - com certa relutância, já que afirmar não tem muito a ver com questionar - que este conjunto se vale de uma espécie de caos organizado para estruturar uma visão existencial à margem das tacanhas papagaiadas repetidas a torto e a direito por toda sorte de gente fanática por partidos e ideias, por habitantes do Caos da Mesmice.Aqui, pelo contrário, a celebração é da dúvida, à moda de Antonio Abujamra, que, de repente, certamente ficaria horrorizado com a derrocada em queda livre de todos os bárbaros bebês desta nossa sociedade hiperconectada e zumbificada por máximas dicotômicas - isso quando o pessoal tem o mínimo de instrução para qualquer coisa. Bárbaros bebês normalmente horrorizados diante de qualquer abstração caótica, da qual fogem com o mesmo ardor que Cascão, da Turma da Mônica, escapava do banho.Mas calma lá: não é que, neste apanhado oriundo da vesícula, o caos seja celebrado enquanto finalidade. Em "O dado clichê acabado", por exemplo, tem-se uma boa pista de que o fio da meada destes ensaios repousa em uma vontade de potência em nome do perpétuo movimento das engrenagens mentais: diante do sim, opta-se pelo não - mesmo quando o não corrobora a tese do autor.O objetivo, em breves textos filosóficos de abordagens diversas (e com muitas referências, de Sócrates a Nietzsche), não parece ser o Olimpo da certeza, mas sim o limbo da dúvida. Por mais que falar em objetivo, referindo-me a um conjunto que opta pelo martelo ao filosofar, não faça jus à proposta. Por mais que, quando se trata de uma abordagem radicalmente abstrata da realidade, seja comum cairmos em abismos insondáveis - e é justamente aqui, neste discreto charme da (im)possibilidade, que se espalham os estilhaços espirrados pela ousadia da abstração.