Múltiplo, relevante, profundo.Uma epígrafe de Primo Levi abre o livro de Lucas Barroso, o que já é suficiente para o leitor ter uma ideia da característica marcante deste O tempo já não importa. (Belíssimo título, a propósito.) Em seu primeiro livro de poesias, um conjunto de poemas diverso em forma e conteúdo. Lucas Barroso ilumina temas como solidão (A bíblia de Gutenberg, De malas prontas), mendicância (Cena na biblioteca municipal, No caminho dos antiquários), guerra (Estamos em guerra, você não viu?, Os idiotas), passagem do tempo (Ruga, Abalo sísmico), e amor (Uivando para a lua mansa, Lavoura). E o faz com palavras doces e férteis.Quando o humor aparece em sua poesia (Declaração ao Imposto de Renda, Diálogo do poeta com sua esposa), ela surge com inteligência, não se limita ao poema-piada, ao poema-trocadilho. É um humor com relevância. Há ironia em Um epitáfio. Já em O inventor da estricnina o autor é categórico: Escrevo / Porque a Literatura me permite ouvir o silêncio deDeus.Entre as múltiplas maneiras com que o eu lírico se manifesta está um discreto sotaque político, coberto por maturidade e independência, como em Moça mascando clichê, Segundo dados do IBGE e Canção marcial. Poesias compostas - graças a Deus - sem tom panfletário.No conjunto de poemas, existem ainda dois textos: Empurrando o Fusca para a garagem, Imagens correndo do lado de fora. Neste século XXI onde as fronteiras entre os gêneros são elásticas e costumam se mesclar, Lucas Barroso adotoua prosa poética. Ou terá feito poesia em prosa? Não importa. Porque ele fez bem, atraiu a atenção do leitor e o comoveu.Por vezes os versos se valem da crônica para dar seu recado. É o caso de O afiador de facas e de Porto Alegre cabe num cartão postal, verdadeiro hino à capital gaúcha, repleto de imagens e sinceridades.Lucas Barroso foge dos hermetismos, não propõe jogos intrincados. O desafio maior dos leitores é se afastar deste O tempo já não importa. As páginas se sucedem com a fluência de uma conversa saborosa e, ao mesmo tempo, profunda.