Ponta de Areia conta sobre uma viagem de bicicleta com pretensões modestas para as pernas, mas que acaba se desdobrando em uma jornada pela própria cabeça de quem que pedala. O livro fala de paisagens e encontros improváveis que se dão através de uma rota indefinida - e que vai se construindo entre recomendações de passantes e uns poucos acessos à internet. Navegar sem smartphone nem GPS traz desafios a um narrador especialmente indeciso, que bate incertezas e inseguranças na máquina de lavar roupas enquanto os quilômetros vão se fazendo percorridos. As elaborações da cabeça tomam lugar entre o hesitar e refletir, enquanto o corpo vai se havendo com sol, bátegas e problemas mecânicos de uma bicicleta bem simples. Não é uma jornada épica tradicional de aventura, daquelas de superação e "encontrar a si mesmo", mas, ainda assim, uma saga de inesperados e reviravoltas internas. Apesar da viagem não passar por tantos estados, a estrada traz um espectro amplo de perfis para conhecer, conviver e aprender, desde pequenas prosas pelo caminho até famílias que acolhem um estranho como filho. A hospitalidade generosa vem junto de conversas sobre assuntos que jamais apareceriam no cotidiano de um estudante de humanas - que trabalha com música está em crise com a vida em geral; mas que quer aprender as coisas pelo tato.Por esses motivos, Ponta de Areia acaba sendo mais uma volta por pensamentos e sensações do que um diário sobre distâncias percorridas e coordenadas geográficas. Onde se poderia esperar um relato de viagem propriamente dito, aparece um estudo exaustivo sobre os processos afetivos que a cabeça dá conta de elaborar enquanto o corpo cuida de pedalar.