Na capa de um desses livrinhos de bolso sebosos, cuja lembrança refulge agora como um meteorito vindo de dentro deste Rapaz com cicatriz, de Escobar Nogueira, um cowboy maneja a pistola enquanto se defende de múltiplos tiros, percebidos pelos buracosde bala no fundo, às suas costas (cortiça, papelão, pano?). Há um detalhe, porém, para o qual atentou um amigo de infância: a julgar pelo formato dos furos, beiços voluptuosamente visíveis ao leitor, os tiros vinham das costas do cowboy. A sensaçãode equívoco, farsa e quase anamorfose desse exemplo, nos acompanha a todos, em maior ou menor grau, ao longo da vida. Mas é lá, no país da infância, que sua flauta é soprada pela primeira vez, e suspeito que muito dessa experiência se reitere em nossa insistência no poema, que, como se sabe, é quase nada e muito ao mesmo tempo, um estado e uma vivência, mas também pode ser uma vida nos abismos ou uma restauração ilusória do mundo ao redor. O poema e o mundo: coisas que somos capazes de compreender pobremente e a que só acedemos em brevíssimos relâmpagos de beleza e dor. E talvez o observador privilegiado desse diorama seja o menino ou o recém-jovem que, enfeitiçado pela vida que corre nas páginas de um Tex ou nas de O mundo perdido, corre também ele, divisando as pequenas delícias do porvir, catalogando as mínimas flores lindas do sexo, as maravilhas da língua dos bichos, usando como moeda dobrões e maravedis precários que vai pescando pelo caminho.