Nenhum diário é diário. O mais longo deles, em dezessete volumes, que Julien Green iniciou aos 26 anos e terminou aos 96, pula dias, semanas, meses. Não obstante, fica a intenção: documentar as impressões que passam, os pensamentos que talvez não voltem nunca mais. Green fazia isso porque, como Proust, tinha a obsessão do tempo que se esvai, mergulhando a cada instante no nada.Se há um sentimento que nunca tive, é esse. Sou a menos proustiana das criaturas. Nunca tive saudades dos mortos, dos tempos idos, dos lugares vistos ou do que quer que fosse. [...] O único tempo de que tenho saudades é o tempo além do tempo, aquele do qual viemos e ao qual retornaremos, um dia, na esperança do perdão eterno.No entanto, nem tudo o que se registra épara fins proustianos. Há impressões e idéias que devem ser registradas não porque passaram, mas precisamente porque não se passaram, porque se passaram incompletamente e não chegaram propriamente à existência. São vislumbres, pressentimentos, intuições em germe, mal esboçadas num limbo de sombras. Essas devem ser conservadas, não como monumentos do passado, mas como sementes de intelecções possíveis.Desde há tempos tomei o hábito de guardá-las, e volta e meia a elas retorno, convocando-as a vir à luz. Quase tudo o que publiquei em livro ou expliquei em aula deriva dessas notas. São o diário de meus pensamentos futuros.- Olavo de Carvalho, junho de 2003Este primeiro volume do diário de Olavo de Carvalho reúne os apontamentos, as intuiçõese as sementes de intelecções possíveis que o filósofo registrou em seus arquivos pessoais de 1979 a 1997.