Assim, do amor entre Filipe e Evangelina, nasce a menina encantada Maria Joaquina, ou, simplesmente Kika, "a-que-tudo-iria-ver". Dona de uma sensibilidade capaz de entender a linguagem das plantas e dos seres vivos, além de estar munida do poder de "falar dentro da cabeça das pessoas e dos bichos", trata-se, no meu entender, de uma belíssima revisitação às personagens infantes, revestidas de uma singularidade no seu contato com a natureza. Ao leitor brasileiro, não será estranho perceber nesta criatura algumas reverberações vindas da nossa própria literatura, além da de outros escritores portugueses. Gosto de pensar que o autor faz lembrar propositalmente a personagem Nhinhinha, a protagonista de Guimarães Rosa, em "A menina de lá". Originária de um "lá" (como o título bem indica), não localizado concretamente no mapa, a menina traz para a realidade dos de "cá" uma nova forma de olhar determinados componentes do mundo real, que acabaram por cair na mesmice, diante do olhar desatento daqueles que não conseguem captar a verdadeira essência das coisas.