"Na pequena nota biobibliográfica da edição portuguesa de Atirar para o torto, publicada pela Tinta da China, em 2021, o gesto de traduzir vem antes de escrever, e se refere possivelmente à vocação e ao trabalho primário daquela que se materializa nos últimos anos, no Brasil, como poeta, ofício que, apesar das diferenças, evoca a criação e a invenção. Margarida Vale de Gato também exercita a reinvenção, na medida em que se debruça, igualmente em seu novo livro, sobre a sua forma mais obsessiva,o soneto, e sua metapoética, na qual se mostra perita. O que impressiona então na poesia de Margarida não é apenas a sua astúcia minuciosa de criação, mas o seu projeto de ser uma testemunha mulher (ainda que isso nesse seu terceiro livro de poesianão predomine tanto) de um tempo que, felizmente e, ao contrário das técnicas neoliberais que exploram o consumo da nossa suposta imortalidade ou da nossa suposta invulnerabilidade, passa. Há muito chama a atenção na poesia de Margarida também um tipo de conhecimento radicalmente lúcido do tempo, seja para o bem, seja para o mal. Ou seja, é perceptível em seu trabalho poético uma dimensão consciente de que "mudam-se os tempos, mudam-se as vontades". Porque esta poesia se refere sempre à mutaçãode nossos lugares no mundo, especialmente para as mulheres atentas que navegam ao mar e mesmo para as que sentadas no comboio, como no poema "Vai vagão", podem falar da passagem das horas e da passagem da paisagem "(...) à poesia com o vinco tão lindo/ da sua tristeza" . Algo dói na poesia de Margarida, e há nisso uma beleza, um brilho."