Em Cinza, o existir é o próprio exercício de escrita - e vice-versa. O livro se move num espaço em que o pensamento se faz imagem e a imagem, pensamento. Tudo se mistura num mesmo campo de ambiguidade: "cinza / lava linguística / ou asa de ave mítica/ poesia é sina / rota imprevista" (XXVII). Nessa "rota imprevista", a linguagem encontra o seu limite e, justamente aí, o seu esplendor.Há também uma dimensão metalinguística que estrutura o livro como espiral: a palavra reflete a si mesma, interroga o seu próprio limite, se devora e se refaz. "O caos da vida esbarra / na sangria da palavra: / poesia é o que se extrai / do corpo que se nega / e se dissocia" (XVII). A palavra, enquanto corpo, sofre o mesmo destino do homem - esgota-se, desmancha-se, mas deixa um traço. É nesse rastro que o poema se constitui, nesse gesto de resistência contra o apagamento. A cinza, aqui, não é fim: é matéria de recomeço