É como se o tempo não tivesse passado. Ou, o que é mais provável, Victor Giudice estivesse além do seu tempo quando escreveu os contos dos livros "Necrológio" e "Os Banheiros", agora reunidos neste volume. Embora publicados pela primeira vez há 53 e 46 anos, respectivamente, exalam o frescor da contemporaneidade tanto no que dizem, como na forma como dizem. Victor publicou dois romances e deixou um terceiro inacabado. Mas foi na narrativa curta que ele primeiro se consagrou como um dos grandes da literatura brasileira. O clássico conto "O Arquivo", de repercussão internacional, começava já na capa de "Necrológio". O autor parecia não se contentar com os cânones da publicação impressa. E assim explorava as possibilidades gráficas, os espaços e desvãos das páginas, bem como os surpreendentes neologismos que atiçavam o idioma. As divertidas sugestões de oralidade presentes em Os Gueijos ou a intrigante narrativa de O Visitante, que termina numa vírgula, atestam que Victor foi um desbravador da linguagem. Por outro lado, suas histórias recheadas de mistério e charme, entre o cotidiano surrealista, as ironias sócio-políticas, a ficção científica e a urdidura policial, tornam a leitura uma fonte superior de prazer. As hipocrisias e disfunções da sociedade brasileira transparecem em sua obra, a começar pelos contos desses dois primeiros livros. A crítica às formas opressivas de controle e às futilidades burguesas não vem com a magreza do realismo banal, mas sim filtrada por uma trama sofisticada de referências à cultura universal e à esfera do fantástico. Amante da música, do teatro, do cinema e da gastronomia, Victor Giudice soube recorrer às formas clássicas para subvertê-las, torcê-las e, em última análise, rompê-las. Sua ousadia, ao contrário, permanece intacta. Carlos Alberto Mattos