Sempre tive certeza que a autora tinha algo a dizer que só ela poderia dizer, que ela carregava uma loucura e um transbordamento que só ela poderia enunciar desse modo, e que todo o desafio consistia em encontrar o tom para que esse desejo de cidade se expressasse com máximo vigor, riqueza, intensidade."O que você tem a ver com moradores de rua? Perguntei para alguns deles, um me respondeu: - A violência da imagem, eu acho, a violência." Rituais de iniciação, magias, mitos, mendigos piratas videntes, ruídos, coletividades, submidialogias, ocupações - o campo de atuação escancarado no livro é uma fresta, que vislumbra uma alucinação muito viva e vivida por Fabiane Borges no período que antecedeu sua escrita, com destaque para os anos experienciados junto a diversas outras pessoas, artistas, ativistas e sem-tetos, então bastante misturados, na ocupação Prestes Maia, no centro da cidade de São Paulo. É "um torpedo poético e político", segundo Peter Pál Pélbart, "com seu riso esquizo e alegria revolucionária". É interessante lembrar, hoje, em 2018, que ali já se falava em tecnoxamanismo - "o tecnoxamã interpreta o mito do tempo e da natureza, colocando em xeque a calculabilidade do tempo capitalista, (.) da imagem de segurança de um ciborgue protegido e vigiado". A performance, com menção direta a Renato Cohen, age juntamente à esquizo-psicologia clínica literária praticada pela autora, e que nomeia o mestrado no qual os escritos vêm afirmar-se como dissertação. Há, ainda, espaço para textos de outros autores que partilharam convivências e fazeres comuns, posto que o trabalho é fruto de subjetivações coletivas, fazeres dissonantes na cidade feroz e destruidora, doída, que toca o corpo, chega bem perto, até transbordar. (I.N.)