Um espírito reto e modesto, acostumado às grandes especulações intelectuais, dificilmente pode esquivar-se à admiração do plano divino da encarnação. Este plano é tão vigorosamente extraordinário e sublime, tão superior a toda a concepção humana, e, digamo-lo bem alto, tão impossível à imaginação, que se justifica pela sua simples exposição. Não posso exprimir melhor as impressões que dele recebo senão por estas palavras: - É um plano muito extraordinário e muito belo para que não seja verdadeiro.Todavia, nem todos raciocinam assim. Certos espíritos têm ambições de tudo compreender, ambições que os afastam dos mistérios, e não veem senão quimeras onde quer que encontrem algo que exceda a sua compreensão. A manifestação das perfeições divinas, na aparição de uma pessoa única, que liga sem intermediário o finito e o infinito; as intenções misericordiosas da Providência, no abatimento voluntário da majestade do Altíssimo; o desaparecimento da nossa vergonha, o levantamento da nossa dignidade decaída, na nossa participação com as grandezas do Filho de Deus; o dogma do Verbo encarnado; numa palavra, tudo isto não é para eles senão uma alta fantasia religiosa. Na sua opinião, o plano de Deus reduz-se a proporções mais simples, e a realidade das nossas relações com o infinito não deve ultrapassar o que a razão pode naturalmente conceber.Tal é, senhores, a pretensão anticristã do racionalismo; contesta-nos o que é a própria razão da nossa existência. Não sentistes vós porventura a vossa fé abalada com esta contestação? Não sentistes a tentação de crer que, não respeitando a incomunicável perfeição de Deus, inventamos para a humanidade uma grandeza impossível? Receio bem que sim; por isso vou aplicar-me a mostrar-vos que é uma realidade a nossa elevação às eminências da ordem sobrenatural. A encarnação não é um sistema, é um fato, e deste fato se deduzem todas as verdades que tenho de expor-vos.