O trabalho de investigação de Filipe Vales, O cristão é feito como se faz o pão: mistagogia do rito de preparação dos dons, sugere-nos uma questão levantada por alguns expoentes do Movimento Litúrgico e que envolve o próprio modo de entender a fé cristã: a linguagem performativa da celebração litúrgica. Segundo Odo Casel[1] e outros liturgistas, acentuaram-se nos últimos séculos dois aspectos da fé: o cognitivo, interessado sobretudo pelas verdades reveladas, e o ético, que versava sobre as regras que o cristão devia respeitar no seu comportamento. Ora, a exasperada acentuação do aspecto dogmático e moral teve consequências letais para a liturgia. Na verdade, se insistimos exclusivamente nestes dois âmbitos da fé, somos levados a pensar quea liturgia tem o objectivo de iluminar os crentes sobre os conteúdos da própria fé, estimulando-os para que sejam coerentes com esta fé e seus conteúdos, isto é, somos forçados a reduzir a celebração cristã à sua função pedagógica e cognitiva.Estaredução desmorona-se, no entanto, perante o facto de a Igreja nunca ter, sequer, colocado a possibilidade de substituir totalmente a liturgia pela pregação, o ensinamento ou a parénese, justamente porque a celebração litúrgica depende da sua dimensão performativa. A pesquisa sobre esta dimensão da celebração litúrgica não apresenta, efectivamente, uma novidade: encontramos, desde os anos 70, muitos estudos sobre o argumento[2]. Porém, o que nos interessa referir nesta apresentação ao estudo deFilipe Vales é aquele aspecto da performatividade ritual que é a acção. É esta, na verdade, que tem alguma coisa de original a dizer em relação ao conhecimento, como podemos constatar deste estudo que, depois do levantamento histórico do rito da preparação dos dons, prossegue com uma análise da linguagem não-verbal presente no rito em questão. O elenco dos códices não verbais apresentados e estudados pelo autor, demonstram que o rito, em geral, vai muito além dos dois pólos acima mencionados - oaspecto cognitivo e o aspecto ético-pedagógico. Nele não há, de modo prevalente, uma função cognitiva, porque não é apenas um conjunto de conteúdos, nem desempenha unicamente uma função pedagógica, porque não é um simples conjunto de formas comportamentais.O rito é, precisamente, o lugar onde essas duas funções se integram e se legitimam reciprocamente, porque ele é tanto forma, quanto é conteúdo. Por um lado, o rito é um comportamento que decalca as convicções mais profundas de uma comunidad