Tenha delicadeza com este livro, abra-o com alarme, cuidadoso. Não seja desatento, pois ele pode ser um chão firme - como o poeta e sua métrica - mas, a contragosto, o chão firme também escorrega, com a "lama esgotada de si mesma". Aqui tem-se um volume de agora, lúcido, mas ao mesmo tempo bêbado das águas que atravessam todos os tempos, de uma embriaguez que se esconde em nós, leitores, pois também bebemos o gole que nos oferece Paulo Manoel Ramos Pereira, esse poeta da má vontade e do inaceitável, do contrário, mas não do contraditório. Um artista que domina sua arte para então libertá-la. Pois, camaradas, são páginas que observam o mundo e o prendem, mas depois questionam: "Shangai ou Xingu: onde esconder-me feito tatu?" É a sensibilidade que nos provoca a perceber que buscamos um lugar nosso, como A flor sem charme busca o dela, por isso a má vontade: como seremos nós em um mundo que não é ele? Aí aparece a vontade oposta, a de não escrever mais nem uma linha aqui, mas, ao contrário, correr para o "desendereço a que guie-me a desbússola". Então, continuamos, porque assim como o poeta, o palhaço somos nós, e este apanhado é espelho para mostrar-nos sem disfarce, um livro que nos pertence para depois abandonar-nos, como agoiaba faz com a goiabeira, no teatro em que também atuamos por desgosto e má vontade. Mas perceba: pela má vontade, a cortina do teatro de dentro também se fecha - e aqui temos um livro para reabri-las.