Em sua estreia na prosa, Adélia Prado usou a mudança de gênero literário para se apresentar como uma narradora feroz, sem medo de impor-se como uma das prosas mais contundentes para retratar a vida das mulheres de sua geração. Quase 50 anos depois, o texto permanece absolutamente atual. Primeiro livro de Adélia Prado em prosa, lançado originalmente em 1979, Solte os cachorros mostra que, para a poeta, a poesia está em toda parte, derramando a mesma força da linguagem de seus primeiros livros numa prosa inventiva e madura. O salto da poeta na ficção não foi ao acaso. O domínio da linguagem deu à escritora mineira a segurança para forjar uma prosa bem urdida, em que a tríade temática que guiaria sua produção - sexo, Deus e morte - está "amarrada" a histórias em que a vida comezinha ganha contornos filosóficos, quando não épicos.A narrativa que dá nome ao livro apresenta uma mulher "na metade da vida". Amparada pela experiência, ela fala, com alguma contundência, mas sempre com afeto, sobre o mundo ao redor e sobre como Deus se insere na franja dos dias. Assim, sua voz se alterna a cada novo assunto, podendo soar reflexiva, divertida, desesperada ou esperançosa. E, num exercício de concisão provavelmente vindo da poesia, Adélia flerta com o miniconto na segunda parte do livro, expondo a beleza coloquial da língua portuguesa em narrativas enxutas.Solte os cachorros é uma celebração de certa língua inventada por Adélia, e também do universo criado por ela para retratar a mulher de meia-idade, que, a despeito no mundo, não desistirá de desejar.A tempo de comemorar os prêmios Camões e Machado de Assis (ABL), conquistados em 2024, e os 90 anos da autora, completados em dezembro de 2025, Solte os cachorros chega aos leitores com capa nova criada pelo premiado designer Leonardo Iaccarino a partir da tela do artista plástico Pedro Meyer.