De peito aberto é o olhar de um artista contemporâneo sobre uma faceta muito profunda de um Camarões atual; é o culto à palavra e ao coração. Esse olhar é compartilhado pela estética de uma escrita bastante original. Éric-Delphin Kwégoué, autor da peça, utiliza como recurso em alguns monólogos a falta de pontuação para que o leitor tenha liberdade na relação com o texto e possa colocar "o próprio ritmo cardíaco natural". A escolha da peça forja esse culto à palavra, à comunicação, como um eixo nas figuras de alguns personagens: Eshu, Neemias, A influencer e o próprio jornalista (Paulo Alan). Isso por si só, esse culto à palavra com ação salvadora de uma pátria, é de grande beleza já que arte e linguagem são ferramentas de conexão entre os mundos e entre os corpos que muitas vezes estão distantes fisicamente, mas, no campo das ideias, do sentir e dos olhares, se reconhecem de muito perto. A língua francesa sempre simbolizou essa ponte, um objeto que conecta e possibilita a intimidade com territórios e olhares afrodiaspóricos. Por meio dessa ferramenta, nos sentimos perto desses lugares e, assim, há um reconhecimento mútuo forte e puro, seja no Caribe afrofrancófono, seja na Europa ou na África, que é tão diversa em suas francofonias. Que este encontro entre o Brasil e a francofonia - entre corpos, vozes e histórias - possa multiplicar caminhos. Que os palcos se tornem espaços ainda mais plurais, permeáveis, porosos à diversidade do mundo. E que, no gesto de traduzir e acolher o outro, possamos sempre nos transformar.