Esse livro nasce de um impulso e de uma inquietação do artista, pensador, coletor de imagens e sementes, Daniel Mira. A crise do imaginário, que se alastra de forma silenciosa pelo mundo e quase nos faz acreditar que chegamos ao limite da nossa capacidade criativa, colocando-nos nesse vazio de sentidos diante da nossa (im)potência poética, levou-o a uma jornada investigativa do que costumamos chamar de pesquisa acadêmica. Mas o conteúdo deste livro vai além, porque compõe o processo de transformação profunda desse autor que, ao nos contar que encontrou o vento e conversou com ele, não recorre a nenhuma figura de linguagem, mas à própria experiência: sentida, vivida e significada. Esse foi o convite que a natureza, os anciãos e os elementais da Floresta Amazônica lhe fizeram e que agora, de forma generosa, está pronto para ser compartilhado com quem estiver aberto e disposto a esvaziar seus acervos de crenças e mergulhar nesse processo "creador" (conceito explicado na obra) e imaginativo. Hannah Arendt nos inspira com um conceito que pode sensibilizar nossa leitura: a Natalidade, que é nossa marca ontológica no mundo. Somos seres que nascem, que iniciam, que são impelidos a agir. É da natureza dos inícios que algo novo comece - esse novo que contradiz todas as possibilidades estatísticas e que quase sempre aparece na forma de um milagre. No início da sua busca, um Daniel forjado pelas formas geométricas e modernistas encontrou-se com as formas e fluxos da natureza e precisou se esvaziar para compreender que todo processo criativo nasce na diversidade e no real encontro com o outro. A fenomenologia natural e a etnografia foram suas companheiras para descondicionar o olhar, abrir-se aos fenômenos e vivenciar outras culturas, outros jeitos de ser e de estar no mundo. A imaginação se amplia no encontro de diferentes imaginários. Esses fatos, talvez, sejam comuns à nossa forma de criar. Sabemos que processos criativos se alimentam da diversidade e, em se tratando da Amazônia - uma imensa sociobiodiversidade -, esta já permeia os nossos imaginários. Mas é quando se encontra com os anciãos às margens do Tapajós e ouve as suas histórias que se depara com a Mãe do Mato, essa entidade que chamamos de vento. E então compreende que, se a imaginação é algo que ainda não vemos, a memória é algo que não vemos mais. Em ambas, há um profundo trabalho de construção e reconstrução, de pura criação. É no espírito que mora a memória, onde não há repetição, mas a nossa