Tem razão Andrea Cortellessa ao afirmar que a dimensão do ritual e a obsessão visual perfilam a poesia de Carmen Gallo. A poesia é uma abertura para o diálogo, aberto ao impossível e até ao impossível, pois os interlocutores não são totalmente fixos.Estranheza e obsessão do outro que habita o "eu" e o outro entendido também como o próprio semelhante são elementos fundamentais neste laboratório escritural. Medo: a escrita da poesia como forma de ler, contar e falar das próprias aflições. Nãohá nenhuma vontade de apagamento ou redenção, o encontro com a Medusa, aqui, é inevitável.Simultaneidades: gesto operado por Camen Gallo, inclusive no jogo que se tem com os pronomes e a própria enunciação, marcados por um olhar obcecado e vertiginoso, atraído pelo movimento que está em seu próprio princípio. Em As fugitivas, definido pela autora como uma biografia por lugares reais, as vozes parecem nascer de um silêncio profundo, frágil e móvel e intersticial: "quem busca e quem se esconde/ possuem o mesmo rosto". O jogo já aparece no primeiro poema. Trata-se do jogo grego efedrismo, recuperado em uma teca do Museu de Taranto. Dois participantes se desafiam e devem acertar uma pedra-limite. Quem perde tem de procurá-la com os olhos vendados, levando o outro nas costas: "quem ganha/ cega a outra, afunda os joelhos / em suas costas. Quem perde carrega o peso./ Quem perde corre persegue a pedra". Os versos tecem uma trama de fuga, ameaça, ajuda, socorro e desejo de contato, que também passa a pertencer a uma zona cinzenta, mortos e vivos, história interna e história externa, marcada pela justaposição e cruzamento de tempos. Verso, performance, voz teatral, fragmentos em prosa, momentos diferentes de uma vida se misturam nessa espécie de "caderno poético". Carmen Gallo é uma poeta extremamente refinada, expõe a condição de sujeito-refém, de sujeito intersticial, em que às vezes é difícil identificar quem hospedada e quem é o hóspede.