Nesse longo e belíssimo poema, pensado como um pequeno livro, com começo, meio e fim, Mariagiorgia Ulbar retoma e encena, com um lirismo que não escamoteia a violência, a absurda, criminosa e abominável prática histórica da caça às bruxas, e faz issodando voz e expressão às mulheres, vítimas dessa barbaridade - mais um dos braços atrozes da máquina mortífera do patriarcado que as massacrou e calou ao longo dos séculos. A retomada do fato histórico, explícita desde o título - que indica o lugarna Alemanha onde, entre a metade do século XV e a metade do século XVI, se consumiu esse crime bárbaro -, não diminui a força subversiva do discurso em primeira pessoa, com teor coletivo, dessas mulheres que agora são donas da narrativa. Ao assumir esse lugar de fala, Ulbar devolve à história o gesto essencial de rebobinar os fatos para nomeá-los, uma e outra vez até "tirar a língua" e depois disso, e devolve às palavras poéticas sua potência sagrada - mas não no sentido de iconizar um fato ou uma versão da história, e sim no de devolver-lhes o sopro vital, isto é: movimento, pulsação, risco, espanto. Ou seja, simplesmente, tudo aquilo que define a vida em seu estágio primordial, imprevisível, poético, doloroso também, mas necessário para interrogarmo-nos sobre quem somos, de onde viemos e para onde vamos.